AbdonMarinho - A CRISE, A SOLIDARIEDADE E A IMPOTÊNCIA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A CRISE, A SOL­I­DARIEDADE E A IMPOTÊNCIA.

A CRISE, A SOL­I­DARIEDADE E A IMPOTÊNCIA.

Muito se fala em crise. Muitos colocam-​na em números: a inflação que quase chega a 11% (onze por cento); a retração do cresci­mento do PIB que deve fechar o ano neg­a­tivo em quase 4% (qua­tro por cento); a perda de cerca de um mil­hão de pos­tos de tra­balho em um ano; os juros nas alturas; a indús­tria nacional que perdeu com­ple­ta­mente sua com­pet­i­tivi­dade; a val­oriza­ção da moeda amer­i­cana que em um ano ape­nas empo­bre­ceu o brasileiro em mais de cinquenta por cento.

Os cíni­cos, os insen­síveis ou indifer­entes dirão: – são ape­nas números.

Infe­liz­mente, não são.

O ano de 2015 acaba de forma difí­cil, os enten­di­dos no assunto apon­tam para um 2016 ainda pior.

Não tenho como aquilatar o quanto será difí­cil, diante do ano que esta­mos tendo.

Na véspera do Natal, quase uma hora após a já tradi­cional dis­tribuição de ces­tas bási­cas e brin­que­dos que cos­tumo fazer em minha casa há quase dez anos, con­ver­sava com um casal de ami­gos – veio nos aju­dar na dis­tribuição e que ficariam para o almoço –, quando ouvi­mos alguém bater no portão. Era um viz­inho que trazia uma sen­hora. Veio per­gun­tar se sobrara alguma cesta básica para aquela mãe de família.

Por sorte, e tam­bém pre­vendo este tipo de coisa, sem­pre com­pro algu­mas além do número que penso dis­tribuir e, ape­sar de já ter aten­dido algu­mas pes­soas, ainda sobrara umas em estoque. Assim aten­demos a senhora.

Enquanto ela saia, o viz­inho nos con­fi­den­ci­ava: – Pois é, doutor, um dia como hoje (referia-​se ao Natal), e essa moça não tem nada para colo­car no fogo.

Mais meia hora se pas­sou e foi a vez de um sen­hor, pelo aspecto, já ido nos anos, com sessenta ou mais, bater no portão. Tam­bém que­ria saber se ainda tín­hamos alguma cesta básica e ainda tinha algum serviço para ele.

Inda­gado sobre que tipo de serviço respon­deu: – Qual­quer coisa, moço, o que quero é tra­bal­har, faz tempo que não encon­tro nada para fazer.

Um fato que ilus­tra bem o momento que atrav­es­samos, é que, desde o iní­cio de novem­bro fui avisado pelo meu caseiro que os moradores das ime­di­ações estavam lhe per­gun­tando se este ano teríamos ces­tas bási­cas para dis­tribuir. Não é novi­dade que per­gun­tem, todos os anos fazem isso, estran­hei foi período: novembro.

Outro fato é a quan­ti­dade de pes­soas – jovens, mul­heres, sen­hores, muitos com a idade avançada –, que me pedem emprego, ou uma ajuda para con­seguir algum tra­balho. Não sei por qual razão – talvez ape­nas pelo deses­pero –, as pes­soas achem que posso ajudá-​las com ou que tenha influên­cia junto à alguém para lhes con­seguir tra­balho. Impo­tente me resta dizer que ficarem atento e, se sou­ber de algo, avisarei.

Não posso ir muito além disso, emb­ora fique aflito ao assi­s­tir o drama de tan­tas pes­soas que bus­cam emprego e não con­seguem. Mais aflito ainda, ao saber que a tendên­cia é que o quadro econômico piore ainda mais é que, o ano que se aviz­inha traz mais pre­ocu­pação que alento.

Impos­sível não ficar angus­ti­ado quando sabe­mos que país perdeu, neste ano, cerca de um mil­hão de pos­tos de tra­bal­hos, e vemos os políti­cos brasileiros fazendo a única coisa na qual são mestres: debater sobre quem rouba ou rouba mais, numa guerra insana – que despreza os inter­esses do país –, do poder pelo poder.

Um país que apre­senta indi­cadores tão neg­a­tivos, com mil­hares de pais famílias sem condições de ali­men­tar os seus depen­dentes, com mil­hares de jovens, sem per­spec­ti­vas, bus­cando refú­gio nas dro­gas e amparo na pros­ti­tu­ição, não pode se per­mi­tir que os políti­cos pensem primeiro em si e depois no povo.

O espetáculo dan­tesco com o qual brindam a pop­u­lação é o mais ver­gonhoso desde que me entendo por gente. E, acred­ito, de toda a história.

Os políti­cos que estão no poder, seus cupin­chas e ali­a­dos, além da notável pre­ocu­pação sobre quem roubou, quem rouba ou quem roubará, trazem a obsessão de se man­terem no poder a todo e qual­quer custo, valendo-​se de todos os instru­men­tos, sejam eles legais ou não, seja eles éti­cos ou não.

Os opos­i­tores tam­bém não ficam muito dis­tante disso. Sequer apre­sen­tam, a exem­plo do gov­erno, pro­postas razoáveis e capazes de tirar o país da crise.

Em meio a tudo isso, a sociedade, sendo tratada como joguete, numa cam­panha eleitoral que parece não ter fim e da qual seus pro­tag­o­nistas não con­seguem descer do palanque. Nem o Natal e as fes­tas de final de ano respeitam na sanha de faz­erem uma política rasteira e venderei “seu peixe”. Ver­gonha! Ver­gonha! Vergonha!

Como acred­i­tar num Ano Novo mel­hor? À sociedade con­sciente, esta que não vive na dependên­cia da escória política que tomou o Estado de assalto, resta o con­strang­i­mento, a impotên­cia e a vergonha.

Abdon Mar­inho é advogado.