AbdonMarinho - INDIGNAÇÃO SELETIVA.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Terça-​feira, 16 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

INDIG­NAÇÃO SELETIVA.

INDIG­NAÇÃO SELETIVA.

O roteiro já não sur­preende mais. Basta algum bacana ser con­vi­dado a prestar con­tas com a justiça que uma série de pes­soas saem da toca para virem ale­gar estado de exceção pro­movido pela autori­dade judi­ciária, toda sorte de abu­sos por parte da polí­cia, vio­lações à ordem con­sti­tu­cional e proces­sual, e por aí vai.

O processo da chamada «Oper­ação Lava Jato» está repleta deste tipo de argu­men­tação. O que mais leio, ouço, são cole­gas advo­ga­dos, são políti­cos, são rep­re­sen­tantes de movi­men­tos soci­ais recla­mando que juiz que con­duz o processo, sen­hor Moro, é um déspota, que con­strange e viola as garan­tias con­sti­tu­cionais dos impli­ca­dos. Estran­hamente, os que mais recla­mam no momento, são os mes­mos que sem­pre bradaram a vida inteira con­tra a impunidade.

Agora enx­ergam vio­lações e abu­sos em tudo.

O esquema descoberto na inves­ti­gação em curso, saqueou em bil­hões e bil­hões de reais, levou a maior empresa brasileira ao vex­ame inter­na­cional de ter suas ações val­endo um ínfimo per­centual do que vale suas con­gêneres nas bol­sas de val­ores onde são nego­ci­adas, e a ter seus acionistas cobrando nas cortes de justiça ao redor do mundo as per­das que tiveram como custo da corrupção.

As ações judi­ci­ais já inten­tadas cobram bil­hões da empresa brasileira por culpa dos esque­mas mon­ta­dos por líderes políti­cos da base de apoio do gov­erno e com a aqui­escên­cias das maiores autori­dades da República, con­forme se extrai dos depoi­men­tos obti­dos em acor­dos de colab­o­ração premiada.

Ape­sar de tudo isso, ganha ares de escân­dalo falar-​se em ouvir o ex-​presidente Lula ou que se inves­tigue sua suces­sora, como se estas pes­soas estivessem acima da lei.

A mesma lei que juraram defender.

Longe de mim defender qual­quer arbítrio, qual­quer ile­gal­i­dade. Acon­tece, que as prisões dos bacanas que são deferi­das agora – com um atraso sec­u­lar – são as mes­mas deferi­das aos pobres, aos despos­suí­dos e nunca vi nen­hum dis­curso vee­mente de indig­nação dos muitos que protes­tam hoje com inco­mum veemência.

Quan­tas homens, mul­heres não foram joga­dos a infec­tos cárceres por roubarem um ponte de man­teiga, uma lata de leite, uma sardinha para ali­men­tar os fil­hos? Quan­tos não foram con­de­na­dos sem que lhe valessem quais­quer embar­gos dos valentes defen­sores da justiça? Se vimos alguém defend­endo a ile­gal­i­dade de suas prisões, a injustiça de suas con­de­nações, estes foram bem poucos.

A lei deve valer para todos, deve­mos bus­car a impar­cial­i­dade e igual­dade da justiça para todos os cidadãos. Se é para soltar o bacana que não teve o man­dado de prisão dev­i­da­mente fun­da­men­tado com todas as vír­gu­las e excla­mações, que se façam o mesmo com os man­da­dos que recol­heu a cárcere o ladrãoz­inho de gal­inha, ou com a moça que roubou uma lata de leite para ali­men­tar os filhos.

Toda injustiça é reprovável e deve ser rejeitada pelos cidadãos de bem. Porém, mais reprovável ainda é a indig­nação sele­tiva. Aquela que só se man­i­festa quando o que sofre a repri­menda da lei não é o que rouba em um barco e sim aquele que usa uma armada em seu intento criminoso.

O cidadão que fur­tou o pote de man­teiga fê-​lo diante do risco do ofí­cio. Aquele que rece­beu as malas de propinas nos hotéis lux­u­osos fê-​lo ciente da impunidade. O primeiro temia ser apan­hado pela polí­cia. O segundo usou a polí­cia para pro­te­ger a a ativi­dade crim­i­nosa. Aquele levou pre­juízo ao dono do super­me­r­cado. Este, o bacana, negou edu­cação, saúde, segu­rança, assistên­cia a toda uma sociedade. Aquele cau­sou um dano de tostão. Este de mil­hões, provo­cou anal­fa­betismo, matou, cau­sou sofri­men­tos a famílias inteiras.

A primeira mudança que dev­e­ria ocor­rer no Brasil seria fazer a lei valer para todos. Seria a augura do rico, preso por roubar bil­hões, causar a mesma indig­nação que causa a augura do pobre que roubou tostões.

Não são ape­nas os ricos que têm o dire­ito à inves­ti­gações bem feitas, man­da­dos bem fun­da­men­ta­dos, garan­tias e pre­rrog­a­ti­vas respeitadas. São todos os cidadãos. Todos têm (ao menos dev­e­riam ter) o dire­ito à igual­dade per­ante a lei. Tal garan­tia não se encon­tra escon­dida em um inciso qual­quer da Carta Con­sti­tu­cional, pelo con­trário, está na cabeça do artigo (5°) que trata dos dire­itos e deveres indi­vid­u­ais e cole­tivo, no título que trata dos dire­itos e garan­tias fundamentais.

O grande passo para a con­sol­i­dação da democ­ra­cia é o respeito ao inteiro teor do artigo «Art. 5º Todos são iguais per­ante a lei, sem dis­tinção de qual­quer natureza, garantindo-​se aos brasileiros e aos estrangeiros res­i­dentes no País a invi­o­la­bil­i­dade do dire­ito à vida, à liber­dade, à igual­dade, à segu­rança e à pro­priedade, nos ter­mos seguintes:…»

Quando nos bate­mos con­tra a vio­lên­cia cometida con­tra os dire­itos dos ricos, dos bem nasci­dos, dos poten­ta­dos, dos que roubaram em armadas e escu­d­a­dos nos poderes do Estado e nos calamos ante o infortúnio dos desvali­dos, quando nos quedamos à indig­nação sele­tiva, não esta­mos defend­endo dire­ito algum, respeito à lei alguma, a Con­sti­tu­ição nen­huma, esta­mos ape­nas sendo hipócritas.

Abdon Mar­inho é advogado.