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Bem Vindo a Pagina de Abdon Marinho, Ideias e Opiniões, Quinta-feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade.

Escrito por Abdon Marinho


O MEDO QUE ME CONDUZ. 

Por Abdon C. Marinho*.

MINHA IRMÃ mais velha, Aldeiza, “Deiza”, para os íntimos, já avançando na casa dos setenta anos, “entrou” na campanha do quinto constitucional que escolherá os doze advogados e  advogadas que comporão a lista a ser submetida aos demais legitimados até a escolha final pelo, governador do estado, do novo desembargador da classe dos advogados para integrar o Tribunal de Justiça do estado. 

Onde sabe que tem um advogado ou advogada, lá na nossa região (Gonçalves Dias ou Governador Archer ou mesmo Dom Pedro), entra em contato para pedir voto para o mano aqui.

Quase todos os dias me manda um áudio ou mensagem de texto: — bom dia, mano, hoje falei com Dr. fulano ou a Dra. Sicrana e pedi voto pra você. Passei seu contato caso queiram falar com você. 

Outras vezes: — bom dia, mano! Segue o número da doutora fulana, pedi voto a ela e disse que você iria entrar em contato.

Como disse, já indo além dos setenta anos, possui uma ativismo exemplar, trabalhando todos os dias, de segunda a sábado, no seu comércio na praça em frente a prefeitura de Gonçalves Dias. Até durante a pandemia, viajava (e nos angustiava) para Fortaleza - CE, onde comprava as mercadorias que abastece seu comércio. 

Devido às amizades feitas e com o advento das novas tecnologias – para o nosso alívio –, os fornecedores, agora, mandam as listas e fotografias das mercadorias e ela só faz o pedido e eles mandam deixar. 

Veio do Rio Grande do Norte ainda muito jovem (dos meus irmãos, só ela e Adilson nasceram lá), quando meus avós paternos, com filhos, noras, netos e aderentes, deixaram aquelas terras por causa da seca para se estabelecerem no Maranhão. Saudosa, em um domingo qualquer, meses atrás, lembrava da sua companheira de infância, uma boneca de pano que deixara por não ter como trazer. 

Fico muito feliz com o esforço da minha querida irmã – e de toda família, outros irmãos sobrinhos, etc. 

A minha irmã simboliza todo esse esforço, pois, muito simples, acredito que até bem pouco tempo, nunca tinha ouvido falar em quinto constitucional, desembargador, tribunal de justiça, e todas essas coisas e, de repente, acaba por se tornar uma das melhores “cabo eleitoral” da nossa campanha. 

Outro dia, meu sobrinho-neto, Ruylon Peixoto (neto dela),  chegou-me com essa: — ah tio, a vó me disse que “essas coisas” (ser candidato a desembargador) não eram para o senhor. Disse que o senhor é muito “certinho”. 

Acho que esse foi o elogio mais “fofo” e enviesado que recebi na minha vida: o reconhecimento por parte da minha irmã, que espelha o resto da família, de que sou “certinho” demais.

Já perdi alguns clientes por conta de tal “defeito”. 

Há alguns anos apresentei o amigo e parceiro de caminhadas na advocacia e contabilidade públicas, Max Harley Passos Freitas, a um cliente (e também amigo) – sempre faço isso com ele e com outros parceiros por confiar na competência e na responsabilidade –, para realizar determinado serviço contábil de alguma campanha. 

Anos depois, esse cliente candidatou-se a prefeito e Max foi assisti-lo nas questões relacionadas a prestação de contas. Eu estava ocupado com outras missões. 

Passadas a eleição, com a vitória do amigo comum, na primeira oportunidade que tem, Max introduz o assunto: — seu fulano de tal, não seria bom chamarmos o doutor Abdon Marinho para nos ajudar no governo que vai começar? Ele tem vasta experiência, é competente, nosso amigo … (e todos demais elogios para “vender o peixe” e fortalecer a parceria).

Dias depois, Max me conta a desconcertante resposta que obteve do futuro ou já novo gestor e amigo: —doutor Max, o doutor Abdon é tudo isso que você diz e até mais, sei muito bem disso, mas, para o governo que pretendo fazer, ele não serve, é “certinho demais”. 

Quando contou-me tal episódio, Max disse ter experimentado sentimentos antagônicos: feliz por seu amigo ter recebido tal reconhecimento e triste por termos perdido o contrato e chance de trabalharmos juntos naquele município. 

Pois é, meus amigos, já passei pela experiência de perder contrato (dinheiro) por “excesso de correção”. 

Esse “defeito” trago de longe. Como ficamos órfãos bem jovens (a minha irmã mais velha com vinte anos e o mais novo tendo acabado de nascer, minha mãe morreu “de parto” há cinquenta anos), fomos criados “como Deus cria batatas na beira do rio”, como costumo dizer, cada um para um canto, uns morando com outros, hora na casa de um, hora na casa de outro. Uma escadinha desfeita e em seus próprios universos. 

Essa experiência – tão marcante –, foi crucial para que desenvolvesse o medo. Sim, o medo. 

O medo de decepcionar, principalmente, meus irmãos; o medo de envergonhar meus parentes; o medo de falhar com meus sobrinhos; o medo de causar constrangimentos as pessoas que confiaram e confiam em mim, e por aí vai. 

Esse medo sempre conduziu minhas ações. Sempre que me deparei com situações “pouco ortodoxas” ou alguma proposta indecente, a resposta já estava (está) pronta: — meu doutor, meu amigo, eu tenho família grande, não posso envergonhá-los. 

E é verdade, tenho uma família enorme. Meus avós paternos tiveram mais que uma dúzia de filhos, cada um deles, um número enorme de descendentes. Meu pai, mesmo, só os que sabemos, teve dez filhos com minha mãe e mais quatro com sua segunda esposa. E não teve mais porque partiu cedo.

Um “mundo” de gente que sempre tive receio de decepcionar e/ou envergonhar. Além, claro, de mostrar e servir de exemplo para os que vieram depois de mim, que é possível levar um vida reta e sem enganar os outros. 

Esse medo que causou o “defeito” de ser correto, acabou por tornar-se parte integrante do meu ser. Colegas ou mesmo clientes e até as partes “ex adversas”  nunca tiveram motivos para acusar-me de quaisquer deslizes ou falhas de caráter. Muitas vezes, preferi perder dinheiro, por algum excesso de confiança, a ter qualquer um dizendo que fui desonesto ou desleal. 

Com o tempo aprendi que dinheiro ou bens, você pode ganhar, você pode perder, mas as nódoas da biografia ou do nome, essas nunca saem, ainda que os outros, nos dias de hoje, as relativizem, você saberá o que fez, nos verões ou nos invernos passados. 

Entendo que mesmo os bandidos – talvez esses mais que os outros –, precisam ser honestos. 

Quando terminei o ensino médio no Liceu Maranhense, fiz, durante alguns meses, cursinho no professor do José Maria do Amaral, na Rua dos Afogados, de tal mestre que nominava o curso aprendi uma lição. Ele, que além da cadeiras de sua área, ensinava qualquer outra para que não perdêssemos tempo, na eventualidade de faltar algum professor, costumava dizer: — meus senhores, todo homem tem um preço, mas é certo que nunca vale o preço que lhe pagaram. 

Sempre tive, também, esse medo de alguém ou alguma coisa alcançar o meu preço. 

Ao chegar no final dessa disputa que mobilizou tantos amigos, parentes, colegas de profissão e tantos outros de todas as áreas e seguimentos da sociedade, posso dizer uma coisa: não sei se for ganhar ou se for perder; ou como acentuou minha tão amada irmã, se sou “certinho” demais para “essas coisas”, mas, ganhando ou perdendo, de uma coisa tenho – e tenham certeza –, não me “perdi” e se Deus permitir, jamais me perderei pelo caminho. 

Não pode haver sucesso onde não há princípios. 

Abdon C. Marinho é advogado.