AbdonMarinho - UM VELÓRIO DEMORADO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Terça-​feira, 16 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

UM VELÓRIO DEMORADO.

UM VELÓRIO DEMORADO.

CON­FESSO: se tem algo que gosto é uma frase bem feita. Admiro quem sabe jun­tar letras e palavras e expres­sar uma um ideia sin­gu­lar, única, inscrevê-​la para a pos­teri­dade. Talvez por isso tam­bém dê tanto valor aos ditos populares.

Nos últi­mos dias tenho pen­sado numa frase dita pelo senador Del­cí­dio do Ama­ral, ex-​líder do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT e do gov­erno. Segundo ele próprio, teria dito ao ex-​presidente Luís Iná­cio Lula da Silva:

» – Pres­i­dente, enter­ramos nos­sos mor­tos em covas rasas, quando menos esper­amos, eles ressuscitam».

Difí­cil per­querir sobre o que tinha em mente ao pro­ferir frase tão certeira e ade­quada aos dias atu­ais. Refiro-​me às con­se­quên­cias e des­do­bra­men­tos da oper­ação da Polí­cia Fed­eral den­tro das inves­ti­gações da Lava Jato e que gan­hou o sug­es­tivo nome de «Car­bono 14″ – aos desav­isa­dos, um dos vários méto­dos de inves­ti­gar o pas­sado, fazer datação.

A oper­ação inves­tiga, entre out­ras coisas, um pos­sível repasse de din­heiro ao empresário Ronan Maria Pinto, como objeto de uma pos­sível chan­tagem aos inte­grantes do par­tido, para que não con­tasse o que sabia sobre esque­mas de cor­rupção que teriam relação com a morte do ex-​prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel.

Em sendo ver­dadeira, ainda em sen­tido fig­u­rado, o afir­mado pelo senador Del­cí­dio do Ama­ral de que seus com­pan­heiros de par­tido enter­raram os seus mor­tos em cova rasa, no caso Celso Daniel, em sen­tido mate­r­ial, a cova (nem mesmo rasa) nunca exis­tiu. Para o assom­bro das lid­er­anças políti­cas do par­tido, este cadáver nunca foi enter­rado em cova alguma, per­manece o espec­tro mor­tuário em um velório sem fim desde o já longín­quo ano de 2002. Volta e meia surge uma fato, uma situ­ação nova a per­tur­bar o sossego da companheirada.

Se se tratasse o pre­sente texto de um ensaio sobre o espiritismo poderíamos dizer que a recusa do morto em deixar este plano deve-​se aos negó­cios não resolvi­dos e que pre­cisam ser esclare­ci­dos para que possa, em fim, des­cansar em paz. Claro que esta ideia passa longe da orig­i­nal­i­dade. Vimos e nos emo­cionamos com algo assim no filme Ghost – Do Outro Lado da Vida, com Patrick Swayze, Demi Moore, Whoopi Gold­berg, Tony Gold­wyn e Rick Aviles como protagonistas.

Assim como no filme, o prefeito de Santo André, segundo apon­tam algu­mas lin­has de inves­ti­gação e espec­u­lações pode ter tido a morte encomen­dada por seus com­pan­heiros pela eminên­cia de vir atra­pal­har esque­mas cor­rup­tos mil­ionários, desvios de recur­sos da prefeitura dirigida por ele. No filme era a lavagem de din­heiro de cartéis mafiosos através do banco.

O velório de Celso Daniel já dura mais de 14 anos. O seu assas­si­nato, pas­sado todo esse tempo, ainda é envolto em mis­térios, a começar pela moti­vação, cir­custân­cia ou pelo tanto de mortes de pes­soas rela­cionadas a ele – já foram sete até aqui –, bem como, pelas sus­peitas veladas e as diver­sas histórias de chan­ta­gens envol­vendo pes­soas da cúpula do Par­tido dos Tra­bal­hadores – PT.

As sus­peitas, ainda que nunca provadas, sem­pre encon­traram eco no com­por­ta­mento dis­sim­u­lado com que trataram a questão. No poder há treze anos, os com­pan­heiros de par­tido do morto nunca mostraram muito inter­esse em elu­ci­dar sua morte. Sem­pre man­tendo uma estranha dis­tân­cia, quando pode­riam ter solic­i­tado, inclu­sive, que a Polí­cia Fed­eral entrasse nas inves­ti­gações junto com a polí­cia paulista. Nada. Até parece que tra­bal­havam com o hipótese de que tudo seria per­dido nas bru­mas do tempo.

Os fatos são teimosos. Apare­cem ainda que sejam através de «Car­bono 14″. Ou como diria o senador Del­cí­dio ao ex-​presidente Lula, os mor­tos ressus­ci­tam quando menos esperam.

Aliás, um fato novo lança ainda mais sus­peição ao com­por­ta­mento já «esquisito» das lid­er­anças do Par­tido dos Tra­bal­hadores — PT. Como larga­mente noti­ci­ado, tão logo foi des­en­cadeada a oper­ação «Car­bono 14″, advo­ga­dos de Paulo Okamoto, pres­i­dente do Insti­tuto Lula, ingres­saram na justiça com diver­sas medi­das para anu­lar essa oper­ação, incluindo recla­mação ao STF sob o argu­mento de que aquele tri­bunal já proibira que a 13ª Vara da Justiça Fed­eral do Paraná, fizesse inves­ti­gação rela­cionada ao ex-​presidente Lula, e que esta oper­ação seria um des­do­bra­mento de uma ante­rior em que o mesmo estivera implicado.

O que temem essas lid­er­anças par­tidárias com essa inves­ti­gação que pode elu­ci­dar o assas­si­nato ainda hoje não total­mente esclare­cido de um com­pan­heiro de par­tido que foi coor­de­nador da cam­panha pres­i­den­cial vito­riosa que os levou ao poder? Que razões pos­suem para não querer que estes fatos seja esclare­ci­dos? Não parece estranho?

Um dito pop­u­lar, bem antigo, pode lançar – em reverso – luz a esta questão, diz: «Quem não deve não teme».

Uma frase, esta de autor maran­hense con­hecido, Coelho Neto, soa como um rasgo de esper­ança: «A men­tira é um manto esfar­ra­pado e curto, que não con­segue jamais escon­der a verdade».

As pes­soas de bem, pre­cisamos acred­i­tar que a ver­dade sobre aquele crime virá a tona para, final­mente, saber­mos quem foram os cul­pa­dos e as cir­cun­stân­cias – deve­mos isso a família –, que sejam os cul­pa­dos punidos (todos eles), encerrando-​se um velório que já duram qua­torze lon­gos anos e o morto possa des­cansar em paz.

Abdon Mar­inho é advogado.