AbdonMarinho - A TRAGÉDIA DAS MENINAS.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Quinta-​feira, 18 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

A TRAGÉ­DIA DAS MENINAS.

A TRAGÉ­DIA DAS MENI­NAS.
UM ASSUNTO vem marte­lando minha cabeça por estes dias, emb­ora não saiba, ainda, qual a mel­hor forma de trazê-​lo à dis­cussão sem pare­cer que quero dar lição de moral ou revelar-​me como uma espé­cie de falso moral­ista desconec­tado das coisas dos nos­sos dias.
Vamos a ele.
Numa de min­has incursões pelo norte do estado reuni-​me com um sindi­cato de pro­fes­sores para tratar de assun­tos rel­a­tivos à pauta do dia a dia. Ao fim da reunião, esgo­ta­dos os assun­tos objeto da mesma, uma pro­fes­sora trouxe uma infor­mação que me deixou pre­ocu­pado.
Ela, pro­fes­sora, chamou a atenção para o número ele­vado de meni­nas grávi­das. E quando falamos meni­nas, esta­mos falando de pes­soas na faixa de doze, treze anos.
O assunto trazido pela pro­fes­sora motivou um pro­longa­mento da reunião para dis­cu­tir o tema, com out­ros pro­fes­sores tam­bém expondo suas exper­iên­cias com situ­ações idên­ti­cas.
A mesma pro­fes­sora que trouxe o tema, nar­rou que fora pro­fes­sora da mãe da ado­les­cente grávida e que esta, por sua vez, ficara grávida na ado­lescên­cia, na mesma faixa de doze para treze anos.
Ora, temos, no espaço de um quarto de século, a for­mação (equiv­o­cada) de duas ger­ações. Trata-​se um fato grave, con­forme lev­an­tado pela lente, pois se sente impo­tente para tratar do assunto com a mãe da infanta quando esta, em espaço de ape­nas treze anos, tornou-​se mãe e avó.
O norte do Brasil sem­pre teve um grave histórico de explo­ração sex­ual de ado­les­centes. Explo­ração, inclu­sive, que não fica restrita às meni­nas, já tendo moti­vado doc­u­men­tários, a pros­ti­tu­ição dos meni­nos, depois man­da­dos para os grandes cen­tros do país para tra­bal­harem como trav­es­tis. Uma espé­cie de crime duplo con­tra estas cri­anças.
Na rota da pros­ti­tu­ição tem-​se de tudo, desde pais é mães “vendendo” ou ofer­en­cendo os favores sex­u­ais de suas cri­anças ao trá­fico puro e sim­ples e a expor­tação destas para out­ros esta­dos e/​ou out­ros países, onde são explo­radas sex­ual­mente sem qual­quer piedade.
Lem­bro de já ter tratado deste tema tem­pos atrás, sendo este um assunto para as autori­dades poli­ci­ais, que pouco ou quase nada tem feito para estancar essa ver­gonha.
O assunto desta opor­tu­nidade, emb­ora na mesma linha, é de outra natureza.
Esta­mos falando de uma sex­u­al­iza­ção “vol­un­tária” por motivos que vão além da explo­ração sex­ual de cri­anças por moti­vação econômica no mer­cado da pros­ti­tu­ição.
O local onde dis­cu­ti­mos este assunto está dis­tante da rota da pros­ti­tu­ição com­er­cial e é uma região de grande reli­giosi­dade, contando-​se mais de uma igreja para cada grupo de menos de mil pes­soas.
Tanto é assim que no debate que se seguiu os partícipes intuíram sobre as causas de tan­tas ado­les­centes ini­cia­rem a vida sex­ual, apon­taram que estas cri­anças têm no sexo uma forma de “diver­são”, tendo em vista não “terem out­ras coisas a faz­erem”; ou a forma de rece­berem uma renda através dos pro­gra­mas gov­er­na­men­tais como o “Bolsa Família” e out­ros do gênero; e ainda os aspec­tos cul­tur­ais da região.
Observei que, talvez, pela quan­ti­dade de casos, desta natureza, ocor­rendo diari­a­mente, a sociedade, mesmo os edu­cadores, adotem uma certa nat­u­ral­i­dade no trato destas questões.
Acred­ito que qual­quer um saiba que uma cri­ança de doze, treze, qua­torze ou quinze anos, não está apta a uma vida sex­ual e muito menos para exercer as respon­s­abil­i­dades da mater­nidade (não falo pater­nidade, porque, para estes, basta o fazer, o colo­car no mundo).
Acred­ito não ser razoável a cada doze ou treze anos o surg­i­mento de uma nova ger­ação.
Não acho que isto esteja cor­reto, e aqui falo sem fal­sos moral­is­mos.
A infân­cia não é lugar para cri­anças brin­carem “fazendo sexo”, ainda que sem a con­se­quên­cia da gravidez inde­se­jada.
A sex­u­al­i­dades deve sur­gir nat­u­ral­mente e em sin­to­nia com a maturi­dade, o que acon­tece de forma dis­tinta em cada um.
Infe­liz­mente muitos pais acham bonito que suas fil­has ou fil­hos, em ten­ras idades, ao invés de estarem brin­cando com suas bonecas, car­rin­hos, bolas ou lendo seus gibis, já este­jam “namorando”. Cri­ança não namora, não tem maturi­dade para isso. Chega de lou­cura.
As músi­cas e deter­mi­nadas cul­turas dos nos­sos dias trazem como nor­mal a ideia das “nov­in­has”, uma forma de sex­u­alizar cri­anças e ado­les­centes, cujos pais perderam qual­quer noção de deveres para com elas.
O que são as “nov­in­has” que trazem as músi­cas – de gosto duvi­doso –, senão um claro con­vite para que se explore, como se fos­sem mer­cado­ria, estas cri­anças?
Outro dia me atraiu uma polêmica envol­vendo pes­soas do mundo tele­vi­sivo. Um octa­genário apre­sen­ta­dor – uma prova clara de que a falta de ver­gonha não tem idade –, insis­tia, segundo li, em ban­car o cupido de dois de seus fun­cionários, um rapa­zote de 19 para 20 anos e uma menina de 15 anos. Repito, 15 anos.
No imbróglio que se seguiu, pelo que soube, a ado­les­cente foi quem pare­ceu mais adulta, ao refu­tar com veemên­cia o arranjo de caráter ver­gonhoso.
Pior mesmo no episó­dio, só o papel da sociedade e das autori­dades ao terem como nor­mal esse tipo de pro­gra­mação. Como se fosse nor­mal colo­car em rede nacional uma cri­ança de 15 anos para namorar.
Ora, se é nor­mal que se alcovite namoros para uma menina de quinze anos em rede nacional de tele­visão, que inter­pre­tação terá as de dez, onze, doze ou treze anos?
Falta cen­sura? Não creio. Sinto que falta é bom senso, dis­cern­i­mento da real­i­dade do país e uma boa dose de ver­gonha na cara.
Faz tempo que os pais – com as hon­radas exceções –, deixaram de ter respon­s­abil­i­dades para com seus fil­hos, pelo con­trário, entre­garam o papel de edu­car, ori­en­tar ou mesmo encam­in­har suas escol­has, ao encargo do Estado. Os pais dese­jam a cumpli­ci­dade dos fil­hos, querem ser “ami­gos”, pés­si­mos a,Igor por sinal, não os repreen­dendo ou mostrando-​lhes os erros, como se isso não fosse impre­scindível ao seu cresci­mento.
Para com­ple­tar a tragé­dia mais que anun­ci­ada, temos aspec­tos da chamada cul­tura pop a estim­u­lar – até mesmo com dire­ito a pro­gra­mas na TV –, a sex­u­al­iza­ção de cri­anças e ado­les­centes.
Em maior ou menor grau este é um fenô­meno que alcança todo ter­ritório nacional, nos menores ou nos maiores municí­pios, lá estão nos­sas cri­anças sendo empurradas para uma vida adulta pre­coce e para a qual não estão preparadas.
As cam­pan­has, até aqui, empreen­di­das pelas autori­dades são estanques e não voltadas para estraté­gias de enfrenta­mento per­ma­nente, seja na sociedade, nas esco­las, nos lares.
Assim, a sociedade brasileira, com sua omis­são, leniên­cia e per­mis­sivi­dade vai roubando a infân­cia de suas cri­anças e o futuro do nosso país.
Abdon Mar­inho é advogado.