AbdonMarinho - BOAS IDEIAS PRECISAM "CASAR" COM A REALIDADE.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Terça-​feira, 16 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

BOAS IDEIAS PRE­CISAM «CASAR» COM A REALIDADE.

BOAS IDEIAS PRE­CISAM «CASAR» COM A REALIDADE.

As eleições de 1992 nos trariam uma novi­dade: autori­dades com os mel­hores propósi­tos, pen­sando no inter­esse público, na celeri­dade da apu­ração eleitoral, evi­tar algu­mas fraudes comuns na época , decidi­ram, no ano ante­rior, que cada sessão eleitoral seria, tam­bém, junta apuradora.

A ideia era bem sim­ples, as eleições eram munic­i­pais, encer­rada a votação, às 17 horas, cada pres­i­dente de mesa junto com os demais mem­bros, com os fis­cais de par­tido, fariam a apu­ração e reme­te­ria para cen­tral de totalização.

Como não era de se esperar não deu certo. Foi uma con­fusão, bem pou­cas sessões con­seguiram realizar o tra­balho a con­tento. Por outro lado pipocaram as denún­cias: de que pres­i­dentes de mesas estariam votando por eleitores ausentes ou que tin­ham deix­ado as cédu­las em branco (a eleição era com cédula de papel, marcava-​se o voto no prefeito, escrevia-​se o nome ou o número do vereador); de que muitos pres­i­dentes sumi­ram com as urnas; de que vereadores (sobre­tudo) estariam manip­u­lando o resul­tado em seus redu­tos e tan­tas outras.

Para encur­tar a história, no dia seguinte fomos infor­ma­dos que a apu­ração, em São Luís, por exem­plo, seria feita nas jun­tas apu­rado­ras, no Castelão.

Acho que ainda hoje pairam dúvi­das sobre o resul­tado daquele pleito. Muitos vereadores eleitos ou não eleitos sabem o que fizeram.

Pois bem, esta­mos diante de outra exce­lente ideia. O Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, enten­deu que doações de empre­sas a par­tidos ou a can­didatos, como vem sendo feito desde sem­pre é incon­sti­tu­cional. Trata-​se de uma exce­lente ideia. Tão boa que a maior parte da pop­u­lação a apoia, for­madores de opinião, int­elec­tu­ais, pes­soas, como dizem, “do bem”, acima de quais­quer sus­peitas. aplaudi­ram a decisão.

Não tratarei aqui – não agora –, sobre o mérito do assunto, deixarei para abor­tar o tema num texto especi­fico. Antes, preocupa-​me saber como fun­cionará o finan­cia­mento da cam­panha para o ano que vem e para as seguintes (inter­es­sante obser­var que as as exper­iên­cias sem­pre acon­te­cem nas eleições munic­i­pais), a par­tir da decisão do STF.

Qual­quer pes­soal que orbita o mundo da política ou que, ao menos de longe, o observe, sabe que as cam­pan­has no Brasil fun­ciona em dois ambi­entes: o ambi­ente da legal­i­dade, com receitas e despe­sas, para pro­pa­ganda, mate­r­ial grá­fico, com­bustível, car­ros para o deslo­ca­mento, expos­tos aos olhos de todos nas prestações de con­tas e no ambi­ente onde as coisa não são expostas, como o din­heiro que é repas­sado para as lid­er­anças “tocar” a cam­panha nos bair­ros, os pedi­dos que os can­didatos e suas lid­er­anças sem­pre recebem, e que, hon­estos ou não, não têm como se escusar de aten­der. Nem falo em com­pra de voto, emb­ora saibamos que acon­tece, mas daquele atendi­mento emer­gen­cial, o favor de levar alguém ao médico, prover um enx­o­val de um defunto, um remé­dio, etc.

Se alguém que já fez cam­panha não se deparou com isso gostaria de con­hecer antes de mor­rer, até agora não con­heço ninguém.

Nestes meus anos de mil­itân­cia, pou­cas vezes me deparei com eleitor fazendo doação a can­didato. Quando muito, uma doação de serviço, como já fiz algu­mas vezes. O cidadão meter a mão do bolso, ir ao banco ou sen­tar diante de um com­puta­dor para fazer uma trans­fer­ên­cia bancária a um can­didato ou par­tido político, rara­mente, muito rara­mente mesmo, testemunhei.

O Supremo Tri­bunal Fed­eral — STF, a Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil — OAB, diver­sos movi­men­tos soci­ais, int­elec­tu­ais querem essa seja a práxis a par­tir do ano que vem.

Sim, é pos­sível que os eleitores (a grande maio­ria são favoráveis a decisão), passem a con­tribuir com os seus can­didatos, emb­ora as exper­iên­cias vivi­das digam o contrário.

Não con­sigo imag­i­nar uma crise econômica sem prece­dentes como esta, que con­tin­uará mais intensa no ano que vem, os eleitores façam doações aos can­didatos e aos par­tidos políti­cos. Observem que esta­mos falando de mil­hares de can­didatos a prefeitos, só par­tidos legal­iza­dos no país, temos 33, muitos deles lançarão can­didatos a prefeitos e vices, quase todos lançarão can­didatos a vereadores, esta­mos falando de mil­hares de can­didatos dis­putando, não ape­nas o voto, mas a con­tribuição finan­ceira dos eleitores.

Em primeiro lugar está se criando uma situ­ação em que ape­nas can­didatos ricos, com patrimônio ou “caixa”, poderão dis­putar ou sairão bem na frente na disputa.

Como é que um can­didato a vereador que declara não pos­suir qual­quer bem ou qual­quer recurso em conta vai ini­ciar sua cam­panha? Muitos estão nes­tas condições. E, como todo cidadão brasileiro, têm o dire­ito de disputar.

Mais. Quanto tempo terá para arrecadar recur­sos, se a lei diz que somente é per­mi­tido após o reg­istro dos seus comitês finan­ceiros? Será que os eleitores vão ficar ali “no ponto” só esperando a lib­er­ação dos comitês para começar a doar para os can­didatos? Como farão as despe­sas de cam­panha se estas dimin­uíram para ape­nas 45 dias.

Lem­bro que são mil­hares. Não acred­ito que dê muito certo.

Será que alguém se deu conta que o mod­elo de finan­cia­mento que se busca, com tan­tos can­didatos, com eleitores que nunca doaram, nada ou quase nada, a cam­pan­has políti­cas, é inexequível?

Em segundo lugar os pre­ten­sos can­didatos, a par­tir de agora, se quis­erem dis­putar uma eleição de prefeito ou vereador, e não pos­suir recur­sos próprios ou patrimônio, terão que desde já, preparar lis­tas de doadores, com condições de com­pro­var suas receitas para doarem a seus can­didatos quando forem per­mi­ti­das as doações.

Estes eleitores terão recur­sos e vão querer fazer doações?

Se a tarefa será árdua para os can­didatos a prefeitos, imag­inem para os can­didatos ao cargo de vereador.

Torço para está errado e os eleitores – não sei de onde tirarão recur­sos – custeiem as can­di­dat­uras, senão o que acon­te­cerá será o seguinte:

  1. A parte da cam­panha que, já hoje, ocorre na clan­des­tinidade, será aumen­tada sensivelmente;
  2. Somente can­didatos ricos (com patrimônio ou liq­uidez) terão condições de dis­putar as eleições ou estarão em condição de supe­ri­or­i­dade aos demais;
  3. Os can­didatos sem recur­sos próprios, com eleitores igual­mente pobres, não terão condições de dis­putar as eleições, esta­mos falando de mil­hares de cidadãos e cidadãs que se verão impe­di­das de dis­putar eleições por falta de recursos;
  4. Os can­didatos terão que arreg­i­men­tar dezenas, mil­hares de eleitores, para efe­t­u­arem doações de cam­pan­has ou se servirem de laran­jas para jus­ti­ficar doações;
  5. Ter­e­mos a maior judi­cial­iza­ção do processo eleitoral de todos os tem­pos sobre­tudo na parte con­cer­nente a arrecadação e despe­sas de campanha;
  6. Os deten­tores de mandatos exec­u­tivos sairão na van­tagem em relação aos demais can­didatos por poderem “pedir» aos mil­hares de ocu­pantes de car­gos comis­sion­a­dos doações para as suas campanhas;
  7. O crime orga­ni­zado – que conta com um público próprio – terá maior inserção no processo politico legal. Noutra opor­tu­nidade farei um detal­hamento disto. Hoje já tem muita influên­cia, em todos os can­tos do país a ação de agio­tas nas cam­pan­has é uma real­i­dade, na nova inter­pre­tação ela será bem maior;
  8. Os males que pre­ten­dem evi­tar serão ampli­a­dos: a cam­panha será no caixa dois, os agio­tas farão a festa pois só eles terão din­heiro em caixa e ter­e­mos mil­hares, senão mil­hões de eleitores laranjas.

Vejam, não resta dúvida que eleitores finan­cia­rem seus can­didatos é uma exce­lente solução, entre­tanto não me parece exe­quível que isso ocorra num país com tan­tos par­tidos, com tan­tos can­didatos e com uma pop­u­lação que nunca fez isso.

Um dos prob­le­mas ocor­ri­dos em 1992 na apu­ração da eleição pelas próprios mesas recep­toras, além dos tan­tos nar­ra­dos, foi o ele­vado número de can­didatos a vereadores.

Igual­mente prob­lemática é o finan­cia­mento, exclu­si­va­mente, público de cam­panha. Primeiro por sac­ri­ficar mais uma vez o eleitor com o paga­mento do imposto para custear a cam­panha e tam­bém porque o recurso não chegará a todos os can­didatos e par­tidos. Alguém acred­ita que recur­sos do fundo par­tidário chega a instân­cias par­tidárias nos municí­pios? Difi­cil­mente. Até os val­ores rece­bidos os region­ais são insu­fi­cientes para o custeio das despe­sas cor­rentes, quanto mais custear eleição.

Mas, tam­bém, sobre finan­cia­mento público fare­mos um texto específico.

Não tenho solução para a com­plex­i­dade dos prob­le­mas apre­sen­ta­dos. Entre­tanto, a solução encon­trada pelo STF e defen­dida pela OAB, pelos movi­men­tos soci­ais, em que pese as mel­hores intenções, não “casa” com a real­i­dade e trás o risco con­creto de jogar na ile­gal­i­dade, as cam­pan­has e os mandatos con­quis­ta­dos nas eleições de 2016.

Fica o alerta.

Abdon Mar­inho é advogado.