AbdonMarinho - REFORMA POLÍTICA: O FOCO ERRADO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Sexta-​feira, 19 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

REFORMA POLÍTICA: O FOCO ERRADO.

REFORMA POLÍTICA: O FOCO ERRADO.

Durante os debates sobre a reforma política, aquela cujo o mérito maior foi deixar tudo como estava – e talvez um pouco pior –, uma das dis­cussões mais polêmi­cas foi (tem sido) a questão do finan­cia­mento das cam­pan­has políti­cas. Nunca dei muita importân­cia ao tema. Tenho a con­vicção que o prob­lema cen­tral não reside uni­ca­mente no tal financiamento.

A proibição de doações por parte de empre­sas aos par­tidos, na minha opinião, ape­nas fomen­tará o finan­cia­mento ile­gal, o caixa dois, três e tan­tos out­ros e favore­cerá os piores políti­cos, os que sabem onde, como, e o que faz­erem com o din­heiro ilíc­ito captado.

O prob­lema cen­tral está no mod­elo de Estado.

Um mod­elo que per­mite aos agentes públi­cos enri­carem através de vários artifícios.

Outro dia fica denun­ci­ado em rede nacional de tele­visão que um único dep­utado, de um dos esta­dos da fed­er­ação, teria qua­tro­cen­tos asses­sores. Um outro mil. Se for feita uma inves­ti­gação cri­te­riosa em todo o país, desco­brire­mos muitas out­ras coisas “cabe­lu­das». Aqui mesmo no nosso Maran­hão sem porteira, quan­tos não são os car­gos públi­cos ocu­pa­dos por fan­tas­mas, por pes­soas que só têm o tra­balho de rece­ber? Agora mesmo, li o caso de jor­nal­is­tas que con­seguiram, sabe-​se lá através de quais artifí­cios ou chan­ta­gens, nomear esposas, par­entes ou ader­entes. Pes­soas que não terão que fazer nada além de rece­ber, o seu, o meu, o nosso din­heiro, no final do mês.

Há que se inda­gar a razão de tanta farra com o din­heiro público. Qual a razão de exi­s­tirem mil­hares de car­gos comis­sion­a­dos na estru­tura dos poderes da República que não a troca de favores, a com­pra indi­reta de votos, do silên­cio e da cumpli­ci­dade de muitos?

Além de mil­hares de car­gos, existe uma outra defor­mação: as tais das emen­das indi­vid­u­ais, que, na larga maio­ria das vezes, é um escoad­ouro de din­heiro público. Já ouvi, não uma, não duas, não três, mas mil­hares de vezes, diz­erem que os os par­la­mentares dire­cionam as emen­das em troca de um per­centual, e que, às vezes, chega a 50% (cinquenta por cento do valor), não me per­gun­tem como o gestor con­segue prestar con­tas depois, se é que presta. Dizem, tam­bém, que out­ras emen­das são dire­cionadas com o com­pro­misso que deter­mi­nas empre­sas (provavel­mente de algum famil­iar ou pre­posto do par­la­men­tar) real­izem a obra ou serviço.

Sem­pre me per­gun­tava o que lev­ava este ou aquele dep­utado dire­cionar emen­das a municí­pios onde não eram vota­dos, que afinidade era aquela, de onde sur­gira. Pois é, há um claro indica­tivo. Assim parece explicável o fato de alguns municí­pios rece­berem tan­tas ver­bas. Deve ser pelo fato do gestor saber como chegar ao par­la­men­tar certo.

Se pas­sar­mos para os exec­u­tivos, podemos mul­ti­plicar todas as situ­ações pelo infinito.

Eis as razões da defor­mação política nacional. Política é negó­cio. Os eleitos estão foca­dos nos negó­cios que podem fazer, nos lucros que podem auferir com um mandato, seja no exec­u­tivo ou no legislativo.

Quan­tos não vimos entrar na política só com uma coleira na mão (a fome já os fiz­era comer a cachor­rinha), e hoje estarem mil­ionários? Os políti­cos brasileiros, acred­ito, este­jam entre os mais bem remu­ner­a­dos do mundo, pos­suem mor­do­mias que nen­hum outro país ofer­ece aos seus rep­re­sen­tantes, ainda assim, os sinais exte­ri­ores de riqueza de alguns são incom­patíveis com os salários que auferem legal­mente. Urge que per­gun­te­mos de onde vem o din­heiro, as man­sões, os aviões, os car­rões, as pro­priedades no estrangeiro. Como não her­daram, nem gan­haram na lote­ria, só resta uma alter­na­tiva: das várias for­mas de desvios prop­i­ci­adas pelos car­gos públicos.

Os políti­cos brasileiros, com as cada vez mais raras exceções, rep­re­sen­tam, cada vez mais, os próprios inter­esses, que os inter­esses da pátria. Em ver­dade, os inter­esses do país, são opos­tos aos inter­esses daque­les que dev­e­riam zelar por eles. São inter­esses conflitantes.

Em resumo, nós (eu, você) elege­mos e pag­amos (e bem) estes rep­re­sen­tantes para que eles cui­dem de seus próprios inter­esses em detri­mento dos inter­esses da sociedade brasileira. Sendo mais direto: nós pag­amos para ser­mos rou­ba­dos, extorqui­dos, para lavem as bur­ras com o nosso dinheiro.

Se grande parcela dos políti­cos gas­tam infini­ta­mente mais que aquilo que rece­berão ao longo do mandato para se elegerem, deve­mos descon­fiar que tem algo errado, pois de alguma forma (geral­mente ilícita), eles tirarão, como sobra, muita sobra, o que inve­sti­ram (a palavra é essa: investimento).

A reforma política que muitos enx­er­garam – e enx­ergam –, como a pana­ceia que irá resolver os prob­le­mas nacionais, não avançou – nunca avançará –, sem que antes o país se ocupe de uma reforma do Estado.

Temos que tornar a rep­re­sen­tação política aquilo que dev­e­ria ser: os mel­hores cidadãos cuidando dos inter­esses da pátria, hoje temos o oposto, em tudo.

Uma reforma do Estado implica no fim de mor­do­mias, da pos­si­bil­i­dade dos políti­cos terem acesso a dezenas, cen­te­nas, mil­hares de car­gos públi­cos para nomearem pre­pos­tos; no fim de emen­das indi­vid­u­ais; no fim das mor­do­mias; no con­t­role rig­oroso das finanças públi­cas, impedindo os desvios; no fim do com­padrio entre os poderes da República; no fim da famiger­ada troca de favores.

Os poderes não fun­cionam como dev­e­riam porque bem poucos pos­suem condições morais de apon­tar os malfeitos dos demais. São quase todos sujos, quase todos com­pro­meti­dos, quase todos têm seus esquele­tos nos armários. Os incau­tos falam em pro­teção da sociedade. Ledo engano a sociedade não é uma pas­siva vítima nesta equação, pelo con­trário, tem o papel de pro­tag­o­nista, é a grande respon­sável por tudo que acon­tece, desde quando aceita tro­car um voto por um favor até quando endeusa políti­cos sabida­mente cor­rup­tos. A chamada sociedade esclare­cida não é ape­nas pro­tag­o­nista da ban­dal­heira, ela é cúmplice.

A República brasileira está con­t­a­m­i­nada, apo­drecida pela cor­rupção que infesta seus poderes, os órgãos de con­t­role e a sociedade.

Abdon Mar­inho é advogado.