AbdonMarinho - DIREITO É PARA QUEM TEM, NÃO PARA QUEM GRITA MAIS ALTO.
Bem Vindo a Pag­ina de Abdon Mar­inho, Ideias e Opiniões, Terça-​feira, 16 de Abril de 2024



A palavra é o instru­mento irre­sistível da con­quista da liber­dade.

DIRE­ITO É PARA QUEM TEM, NÃO PARA QUEM GRITA MAIS ALTO.

DIRE­ITO É PARA QUEM TEM, NÃO PARA QUEM GRITA MAIS ALTO.

COR­RIA o ano de 1995 quando nós, estu­dantes de dire­ito da Uni­ver­si­dade Fed­eral do Maran­hão – UFMA, fomos chama­dos para uma assem­bleia no auditório cen­tral. Na pauta, delib­erar sobre a par­al­iza­ção da uni­ver­si­dade em apoio à greve de então, acho que era dos petroleiros. Cheguei cedo, sentei-​me na frente e me inscrevi para falar no evento. Movi­mento, clara­mente, orquestrado, se suce­diam os oradores num dis­curso monolítico de que devíamos par­al­isar a uni­ver­si­dade. Só me deixaram falar depois de muita luta, após pedir reti­radas vezes a palavra dizendo que estava inscrito.

Na minha vez de falar argu­mentei que o movi­mento teria como único efeito prej­u­dicar os estu­dantes, sem efeito prático algum diante de um gov­erno recém-​eleito, por larga maio­ria de votos e apoio popular.

A maio­ria da assem­bleia acabou por apoiar minha argu­men­tação e, em con­se­quên­cia, naquele ano o curso de dire­ito não entrou em greve o que nos per­mi­tiu con­cluir o curso no ano seguinte. Isso não teria acon­te­cido se eu – ou outra pes­soa – não estivesse pre­sente ou não me man­i­fes­tasse na dita reunião.

Lembrei-​me deste episó­dio diante do atual momento de ocu­pações de pré­dios públi­cos em protestos con­tra a chamada PEC do teto de gas­tos e con­tra a reforma do ensino médio.

Os dois motivos são na ver­dade pre­tex­tos para uma pauta política do grupo que foi ali­jado do poder no processo de impeach­ment. A ideia é provo­car o máx­imo de des­gaste político ao gov­erno do suces­sor e assim, tentarem voltar com uma can­di­datura com­pet­i­tiva em 2018. Os estu­dantes são usa­dos nesta pauta, como, aliás, sem­pre foram.

Argu­men­tam que a PEC do teto vai tirar recur­sos da saúde e da edu­cação. Ninguém diz quanto será reti­rado, como será.

Na ver­dade a pro­posta fala na manutenção dos inves­ti­men­tos do ano ante­rior mais a cor­reção da inflação e isso somente a par­tir de 2018, no caso da edu­cação. No caso da saúde, além de só começar a apli­cação da PEC no mesmo ano, os val­ores des­ti­na­dos à saúde pas­sarão de 13% (treze por cento) para 15% (quinze por cento) do Pro­duto Interno Bruto – PIB, o que rep­re­senta uma mel­hora nos val­ores que são investi­dos em quase 10 bil­hões. Claro que, num país como o nosso, todo recurso é pouco. Mas pior mesmo é o país «que­brar» e não ter como fazer inves­ti­mento algum.

O país fechará as con­tas este ano com um déficit de cerca de R$ 170 bil­hões e não se está falando em corte de gas­tos, está se lim­i­tando através de um teto aquilo que qual­quer um é capaz de enten­der: o gov­erno não pro­duz riquezas, o din­heiro que gasta com tudo é fruto dos impos­tos que pag­amos. Logo, ou se ade­qua os gas­tos ao que se arrecada ou ter-​se-​á que aumen­tar a arrecadação, com mais impos­tos para a sociedade.

Como ninguém apre­senta uma alter­na­tiva – mesmo porque ela não existe –, noutras palavras, estão se movi­men­tando pelo aumento dos impostos.

A ideia de que a PEC do teto rep­re­senta a «exter­mínio do futuro do país» é abso­lu­ta­mente falsa. Os gas­tos sem con­t­role, sim, rep­re­sen­tam o fim da expec­ta­tiva econômica do país, pois logo o descon­t­role, como já vinha ocor­rendo, pas­sará a ali­men­tar a inflação e, por con­se­quên­cia, levar à ruína toda a econo­mia do país.

Emb­ora a juven­tude ilu­dida não saiba, os mais vel­hos exper­i­men­ta­ram o que é a vida com hiper­in­flação, escassez de pro­du­tos, desem­prego e econo­mia em frangalhos.

O que está em curso é o velho embate político que sem­pre prej­u­di­cou o país. Não se trata de uma luta por mais recur­sos para a edu­cação, saúde ou inves­ti­men­tos soci­ais. Isso resta claro quando lem­bramos que, em 2015, a pres­i­dente Dilma Rouss­eff, na ten­ta­tiva de con­ter a crise econômica fez cortes expres­sivos nos orça­men­tos de diver­sos min­istérios. Só na edu­cação foram R$ 10 bil­hões, na saúde, assistên­cia social out­ros tantos.

Os que hoje protes­tam enfi­aram a lín­gua no saco e nada dis­seram. E estavam diante de cortes reais no orça­mento anual.

Os que falam em out­ras alter­na­ti­vas ao lim­ite de gas­tos não imple­men­taram nen­huma nos treze anos em que estiveram à frente da nação.

A PEC fala em con­t­role de gas­tos no prazo de vinte anos. Mas o que impede de ser revista caso a econo­mia se recu­pere antes, o pais entre nos eixos? Nada. Emb­ora, deva­mos ter em mente que gov­erno nen­hum deve gas­tar além dos recur­sos que arrecada.

A outra moti­vação para as ocupações/​invasões é a chamada pro­posta de reforma do ensino médio. Ora, a reforma do ensino médio é uma pauta que existe desde sem­pre. No Con­gresso Nacional já existe uma pro­posta que se arrasta há um bom tempo.

Não lem­bro de tê-​los visto fazendo uma ocu­pação para que a reforma ande rápido. Não lem­bro de tê-​los visto man­dando um sub­sí­dio, uma proposta.

A pro­posta de reforma do ensino médio, ape­sar de encam­in­hada como Medida Pro­visória, pode e deve ser mel­ho­rada. O que impede os que se dizem «pre­ocu­pa­dos» pro­porem suas ideias? Nada. Será que são con­tra a reforma do ensino médio? Estão todos sat­is­feitos com a qual­i­dade do ensino ofer­tado? Se estão são mais irra­cionais do que se imagina.

Os valentes que ocu­pam esco­las enten­dem que mel­ho­rarão a qual­i­dade do ensino impedindo jovens que querem estu­dar. Trata-​se de uma punição dupla. Os alunos das esco­las públi­cas já estu­dam em condições des­fa­voráveis em relação aos estu­dantes das esco­las pri­vadas e, como agra­vante, pas­sam parte do ano sem poder estu­dar por conta de uma mino­ria que entende de ocu­par suas esco­las. Será que esperam mel­ho­rar a qual­i­dade do ensino impedindo os estu­dantes de estudarem?

Na ver­dade, nome de um falso democ­ra­tismo se aceita a imposição da von­tade da mino­ria em detri­mento dos anseios da maio­ria dos estu­dantes. O pior que é que as enti­dades que dev­e­riam defender os inter­esses da maio­ria se omitem.

Cheg­amos ao absurdo de sus­penderem o ENEM de cen­te­nas de alunos que fariam o exame em deter­mi­nada escola porque DEZ inva­sores se dizem «donos» da mesma. Pois é, DEZ supos­tos estu­dantes prej­u­dicam cen­te­nas de jovens que pas­saram o ano se preparando para o exame que é porta de entrada de diver­sas universidades.

Para os desco­la­dos estes dez inva­sores têm mais dire­ito à escola que cen­te­nas de out­ros jovens. Será que isso faz algum sentido?

Outro dia chamou-​me a atenção uma ten­ta­tiva de ocu­pação do Liceu Maran­hense. Estudei no Liceu nos anos 80 e fui um dos fun­dadores do seu grêmio estudantil.

As primeiras notí­cias sobre o episó­dio davam conta de repressão poli­cial ao movi­mento dos estu­dantes que que­riam ocu­par a quase bicen­tenária escola. Depois li a nota do pres­i­dente do grêmio estu­dan­til onde diz que aquele grêmio, após con­sulta aos estu­dantes da escola, decidi­ram por se posi­cionar con­tra as ocu­pações, enten­dendo que tal método de luta não rep­re­senta uma alter­na­tiva sen­sata e fere o dire­ito daque­les pre­ten­dem cumprir o cal­endário esco­lar. Depois a direção da escola esclare­ceu que mais que uma «ocu­pação» tratou-​se de uma invasão do pré­dio público por ele­men­tos estran­hos à escola e, por esta razão chamou a polícia.

A situ­ação parece absurda. Temos estu­dantes de out­ros esta­b­elec­i­men­tos – pelas infor­mações seriam da uni­ver­si­dade estad­ual – ten­tando arreg­i­men­tar mil­itân­cia para ocu­pação de uma escola em que os estu­dantes, através de sua rep­re­sen­tação, enten­deu ser inde­v­ida e que a direção da escola ado­tou a medida ade­quada à luz do dire­ito para repeli-​la.

Ambos, direção e grêmio agi­ram cor­re­ta­mente. O primeiro em con­sul­tar os alunos e o segundo por fazer aquilo que podia para impedir a invasão da escola. A poli­cia agiu como dev­e­ria e como se esper­ava. Se há uma ten­ta­tiva de invasão de uma pro­priedade, ou você faz uso da força para impedi-​la ou chama a polí­cia em seu socorro.

Entendi como fora de ordem foi o com­por­ta­mento da Sec­re­taria de Edu­cação, da Sec­re­taria de Segu­rança e do próprio gov­erno do estado que, em suas man­i­fes­tações, agi­ram como se estivessem reprovando a ação da poli­cia chamada para con­ter, de pronto, uma invasão de um pré­dio público por pes­soas estra­nhas à comu­nidade esco­lar. Só fal­taram pedir des­cul­pas por agir de forma correta.

Que­riam que a direção escola deix­as­sem a invasão ocor­rer? Que não chamasse a poli­cia? Que entre­gassem a escola aos «ocupantes/​militantes» e perdessem o ano letivo? Que seus alunos não formassem?

A ideia trans­mi­tida – ainda que invol­un­tari­a­mente –, nas várias notas, é que as autori­dades do alto escalão apoiam as invasões – a nota da SEDUC fala em pauta nacional – em detri­mento da comu­nidade de estu­dantes e de pro­fes­sores que querem con­cluir o ano letivo em paz e sem maiores prejuízos.

Como já explic­i­tado acima, as pau­tas têm viés político – como todo embate –, onde uma mino­ria, ao que parece, mostra-​se mais mere­ce­dora de dire­itos que o con­junto da sociedade.

Será que alguém, em sã con­sciên­cia, acha justo que mil­hões de estu­dantes sejam pri­va­dos de estu­dar porque uma mino­ria decidiu, como estraté­gia de luta política, ocu­par as esco­las? Ou que mil­hares de estu­dantes não façam o ENEM porque as esco­las estão ocu­padas, as vezes por uma cen­tena ou menos de estu­dantes? Os estu­dantes fil­i­a­dos as enti­dades têm mais dire­ito às esco­las que aque­les que ape­nas querem estudar?

Acred­ito que poucos estu­dantes lem­bram a última vez que tiveram um ano letivo reg­u­lar. Todo ano, por essa ou aquela razão, as aulas são par­al­isadas e os estu­dantes são man­da­dos para casa. Não é sem razão que o país «apanha» em todos rank­ings educacionais.

Acho que já passa da hora de alguém dar um basta nisso.

Abdon Mar­inho é advogado.